Despedida I – para meus alunos e para meus colegas.



                Quando terminaram as apresentações de projeto VI.  Aconteceu algo comigo que não previa mesmo antes das apresentações começarem naquela tarde: encontrei a professora Carla no saguão do prédio G1 e ela já sabia da minha partida através do nosso coordenador.
Bem, a verdade é que odeio despedidas por isso ainda guardo o “até breve” para daqui alguns dias. Ela me olhou nos olhos, pediu como eu estava, e de saída apenas consegui balbuciar a palavra “ ansiosa”, então ela me inquiriu o motivo da partida. Tentei ser racional e ela compreendeu meus motivos, me apoiou na decisão e entendeu que era um passo para meu próprio crescimento. Mas o abraço dela com aquele “sentirei saudades suas” me desmontou.
                Então o olho molhou além do necessário para se lubrificar, a garganta fechou em um nó de apego, a mão gelou no medo, a perna tremeu na insegurança do próximo passo, a garganta engoliu o choro em seco e tudo que consegui foi dar um longo suspiro para aliviar um pouco daquele turbilhão emocional que tomou conta de mim.
Confesso que ali e por alguns instantes fraquejei e pensei em dizer que fico, que vá para o inferno essa história de sair da zona de conforto, que estou muito bem onde estou, que o coordenador foi generoso comigo e me deu um monte de carga horária nova para o próximo semestre e eu posso me perder por esses corredores no final do próximo fevereiro por umas duas semanas até gravar e me lembrar qual é a sala que eu dou aula. Que vou poder reclamar para o Chalita que ele é careiro demais e comprar o café dele mesmo assim. Que vou poder rir ao olhar o Maurício xingando os alunos na sala dos professores, possuído com questões do dia a dia da sala de aula para depois encontrar ele ajudando os mesmos alunos bem feliz em alguma sala de aula desocupada... ele é daquele time que se faz de bravo para não demonstrar o quanto ama essas criaturinhas que nos mantém circulando pela faculdade, não sei se você percebeu, sabe?
                Confesso que quando aceitei o convite da professora Carla e do professor Juan há três anos atrás eu fiz pelo motivo errado. Sim assumo isso. Quando entrei na faculdade eu pensei em ajudar os alunos a evitar cometerem todos os erros que eu consegui cometer ao longo da minha carreira. Pensei em tentar eliminar os maus alunos. E por algum tempo até me dediquei a isso. Mas as coisas mudam, a gente muda. Algumas pessoas entraram em minha vida, outras saíram. Cada uma deixou algo de si em mim e levou algo de mim para si.
Nesse ir e vir em que estive na FEAR/UPF me dei conta de algumas coisas: ser professor é ocupação para alguns, status para outros, meio de ganhar a vida para a maioria que se dedica a isso, mas professor de verdade encara a profissão como um sacerdócio. E nenhuma das formas de encarar o ser professor está errada, de forma alguma!
Por que para mim seria um sacerdócio? Por que ser professor não pode ser simplesmente entrar em uma sala de aula e derramar o que se aprendeu até ali para algumas pessoas absorverem. Tampouco é meter um funil nos ouvidos dos alunos para transbordar aquilo que se sabe, transmissão de conhecimento é coisa que a internet por bem ou por mal já faz bem. Nosso papel não é ser igual ao carbono que passa a informação de uma folha para a outra.
É preciso se ocupar do outro. É preciso se importar com o outro. É preciso sair de si. Não adianta nada eu ter algo para oferecer se meu aprendiz não está pronto para receber isso. É preciso trabalha-lo de forma que ele consiga receber esse conhecimento, mas não de forma passiva como estamos habituados, ao contrário, é essencial que ele seja questionador. Que nos meta em embaraços. Que nos faça sair do lugar comum, que se pergunte o que está fazendo e não faça o que precisa ser feito por que foi mandado, no piloto automático. E não há nada de errado em dizer que não sei a resposta para a pergunta que o aluno fez, mas há muito de errado quando não saio buscar essa resposta que ainda não sei.
                É preciso perceber o acadêmico como ser humano. Se nós enquanto professores algumas vezes vamos para a sala de aula com a cabeça em outro lugar, com problemas que guardamos somente para nós mesmos, o mesmo acontece do outro lado: há namoros, famílias, doenças, dificuldades financeiras, situações que parecem sem solução e então ou nos tornamos vulneráveis e mostramos nossas próprias fragilidades, exibindo as nossas imperfeições ou nunca teremos a confiança que precisamos dos estudantes para que eles se tornem questionadores.
                Sim comecei essa história com a intenção errada, admito! Mas tenho coragem o suficiente para dizer que houveram alunos que me expuseram, que esfregaram minhas próprias fragilidades na cara e que foi nessas ocasiões que mais tive a oportunidade de conhecer partes de mim mesma que estavam ocultas e crescer. Todos temos muito mais coisas em comum do que nos damos conta, nos esquecemos das afinidades que nos colocaram na mesma escola.
                Pois bem, saio dizendo que é preciso investir nos bons que são muitos e tão cheios de particularidades!
Também saio com lágrimas nos olhos. Quando decidi que era hora de ir bati no peito e disse para mim mesma que seria fácil pois sou “desapegada”. Pois bem vou te contar alguns segredos: descobri recentemente o quanto sou boa em mentir para mim mesma! Não está nada fácil dar aquele passo que deve ser parecido com pular de paraquedas pela primeira vez.
A barriga está gelada e o coração apertadinho, o pobrezinho mal bate! Eu sei onde está o chão e a distância até ele. Sei o que pode me impedir de me estabacar no chão e isso está dependurado nas minhas costas, mas ser racional a esta altura está bem difícil.
O nó da garganta eu desfiz, não quero um nó que me amarra, amo demais a liberdade e por isso prefiro o laço que ao invés de amarrar reúne como um abraço.
Laços felizmente fiz aos montes pelos corredores através das salas. Algumas pessoas não fazem ideia de o quanto estão colocando pesinhos na balança do lado que diz “fica” quando me abraçam tornando mais palpável o afeto que nos une. Sinto muito não posso mais ficar. Preciso ir. Preciso crescer, ir para o próximo nível <pausa para respirar>.
                OK, foi só um cisco!
Se voltarei? Em definitivo não sei dizer. Me desapeguei desse hábito arquitetural adquirido de ficar planejando demais a vida. Nos últimos anos percebi que toda vez que faço planos perfeitos e mirabolantes tem uma força que me dá um sacode e coloca tudo à prova. É como se tivesse alguém me olhando de cima e rindo enquanto diz por entre os dentes: “Planejando de novo?!?!” Quando o “sacode” passa sobra pouco para contar a história, mas sobra a história e as boas lições que ela contém e naturalmente o que é verdadeiro...
                Prometo voltar? Depende! Meu segredo dois desta história é que descobri que definitivamente tenho esta habilidade fantástica que quebrar promessas tão rápido quanto as faço. Me obriguei ao menos a um compromisso de não prometer mais nada. Faço promessas que sei que poderei cumprir...
Mas nada me impedirá de me perder entre o caminho do aeroporto de Passo Fundo e a casa dos meus pais, naquele trevo depois da polícia rodoviária federal que leva para Carazinho e tem à direita um grande e belo pórtico com uma treliça espacial vermelha, acho que vocês sabem onde fica... Talvez eu siga até o final daquela avenida de entrada e ao final dela pegue a direita em direção ao estacionamento que fica entre os prédios da engenharia agronômica e da engenharia elétrica e estacione atrás do auditório antigo da agronomia.
Mas se depois disto não encontrar nenhum conhecido, desço as escadas para o calabouço / porão do EMAU / NADUC, abro a porta dos fundos e subo a coxilha em direção ao prédio do Direito, dobro à direita, naquela parte do campus em que o minuano corta a pele de quem se arrisca a caminhar por ali no inverno, torcendo ver aquele pôr do sol misturado de laranjas, rosas e lilases em direção ao bairro Cidade Nova de alguma sala do V2, e antes de ir embora aproveito para roubar um café da Sol na secretaria e admirar aquele corredor cheio de trabalhos maravilhosos talvez me orgulhando secretamente de algum conhecido que tenha sido meu aluno.
                É engraçado pois a sensação tenho é de quem sai da casa dos pais. Me atrevo a chamar a UPF é de minha casa num último toque de possessividade, afinal entre graduação e pós gastei mais de 10 anos de vida estudando nela e mais de 3 anos trabalhando.
                Ok, somente para provar que sou boa em quebrar promessas: mesmo que não volte em definitivo isso não é um adeus, é um até breve!
                Agora vamos para a parte mais específica para os alunos:
Conselhos da professora de projeto VI que vai embora para quem for e para quem ficar na disciplina:
- Pense no que está fazendo e se questione sobre suas decisões projetuais, economiza trabalho para todos: tanto alunos quanto professores;
- O que diferencia teu trabalho do trabalho de um engenheiro civil? Ser funcionalista ele também consegue ser e se você responder essa pergunta estará construindo uma identidade profissional somente sua.
- A ferramenta de trabalho do arquiteto é desenho técnico: tem normas que vocês aprendem no primeiro semestre para isso, portanto lembrem-se sempre delas! Projeto que não se entende é mal avaliado mesmo quando as ideias são geniais;
- 3D não é projeto, 3D ou croquis são o resultado em forma de imagem de um projeto;
- Tenha intenções em tudo que você faz no projeto;
- Trate volume como volume e a fachada não será apenas uma superfície para enfeitar depois de resolver o projeto funcionalmente;
- Trate implantação com um grande tecido, desapegue dos “caminhozinhos”, as pessoas fazem o caminho mais curto entre a partida e a chegada então torne isso interessante nas implantações do seu projeto.
- Seu projeto não é uma ilha. Como você vai se relacionar com o entorno?
                Já estou cheia de saudades. Não contei para ninguém que eu estou indo embora por que eu iria chorar por algumas semanas pelos corredores e definitivamente sou péssima de despedidas. Faltam 14 dias e já estou chorando escondida.
Se precisarem de ajuda, meus contatos seguem sendo os mesmos e ficarei feliz em ajudar, mesmo à distância.
                Se comportem e não deem muito trabalho para meus colegas mas deem trabalho no bom sentido para os meus colegas! <3 <3 <3
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