O inimigo intimo.


          Confesso que esta é uma relação íntima e que para mim nos expor desta forma é um tanto quanto constrangedor, mas sinto necessidade de fazê-lo agora, não por mim, que não faço questão desta exibição pública, mas com o intuito de ajudar outras pessoas que são “vítimas” deste mesmo monstro ou que também se sentem mantidas em uma prisão particular por ele.
Essa é talvez uma das relações mais longas que tenho nesta vida. Nos conhecemos quando eu era criança, tenho lembranças dele de quando ainda tentava descobrir e entender o mundo, talvez isso fosse aos três anos ou menos, mas lembro claramente que ele já estava lá, me seguindo, se mostrando mais forte que eu e me dominando.
Ainda não o compreendo bem e nem por que não houveram formalidades de apresentação, pois ele simplesmente chegou e decidiu permanecer como alguém da família e feito isso passou a me fazer companhia constante, mesmo contra minha vontade, me seguia por toda parte, se intrometia na minha cama enquanto eu tentava dormir e andava ao meu lado sempre que tinha oportunidade, mas sempre estava por perto à espreita.
Eu sei e sinto muito em o quanto isso pode soar duro ou cruel com ele, mas ele é um companheiro que não aprecio. Por favor não me julgue nem a ele, apenas tenho dificuldade de conviver com ele. Sei que ele tem algo de bom dentro de si, posso afirmar e sentir, ele também tem dois lados, como tudo por aqui, mas infelizmente vejo apenas uma face dele com mais frequência, e a face que ele me mostra eu não gosto de ver.
Há ocasiões especiais em que ele me mostra seus dentes, não sei sorri ou se ladra. Mas quando ele se mostra com toda sua força ele me paralisa, me deixa sem ação, noutras ele simplesmente me faz agir por impulso, esquecendo o que realmente busco me faz tomar o primeiro atalho, mesmo que o objetivo esteja logo ali adiante, ao alcance das mãos.
Se estou só ele vem sem ser chamado e então faz barulhos no meio da noite com seus passos pesados e sua respiração ofegante e se diverte enquanto me venda os olhos com suas grandes mãos e me deixa em pânico no escuro, me tortura com as palavras que escorrem pela sua boca misturadas ao seu hálito gélido. Eventualmente suas gargalhadas horripilantes me fazem parar de respirar e ele ri enquanto inunda minha mente com mil cenas que não quero ver. Nestes momentos de desespero penso comigo mesma, se eu morrer talvez o veja partir vitorioso ou vencido, nunca saberei em minha covardia de dar o passo final.  
Apesar de ainda pensar que não posso trata-lo como amigo e isso significa uma luta constante também vejo que de algumas vezes ele é sinônimo de sobrevivência. Eventualmente ele tenta se passar por benfeitor, mostrando a outra face, como todos neste lugar, onde predomina essa mistura cinza, ora luz, ora sombra.
A minha verdade é que sei que sou prisioneira dele. É uma decisão, agora eu sei, inconsciente, mas constante. Nesse estado de torpor ele me guia roboticamente por caminhos que não desejo percorrer e assim ele me torna precipitada. Não me permite pensar muito, me deixando com a sensação de que é provável não haverá outra chance, ao menos é o que ele habitualmente me sussurra ao ouvido esquerdo, de pronto atendo seu apelo, cega e feliz por tomar decisão tão coerente.
Hoje vejo que ele me rouba muito: a confiança por exemplo. Em quantas oportunidades eu desisti por que ele me jurou que eu não teria capacidade de alcançar o que havia me proposto. Satisfaça-se com isso, ele me diz, com olhar cínico e sorriso sarcástico, você já conseguiu mais do que merece.
Quando em um ato insano de coragem decido olha-lo de frente, todo acuado ele me lança um olhar de ternura, como quem tenta me proteger e diz aos sussurros, querida, não faça isso, você vai se machucar se tentar até o fim, não seja imprudente! E cuidadoso ele me guia de volta para trás, em sua confortável residência, onde me encerro sob suas cobertas aconchegantes e me congratulo pelo meu juízo.
Houveram oportunidades em que ele me pôs a mão na garganta, violento, apertando-a, me fazendo sentir sufocar, e as lágrimas rolavam pelo meu rosto insistentemente, enquanto ele me dizia que eu era sua refém, que não haveria escapatória, enquanto apertava lentamente minha traqueia me mostrando que podia me sufocar como bem quisesse. Desta forma ele me fez permanecer e guardar longos períodos de silêncio, onde eu me feria, com raiva de minha própria covardia, ou me conformava como sua vítima pois talvez a vida devesse mesmo ser desta forma e eu não poderia lutar contra ele. Planos são ilusões, sonhos são combustível da vida dos tolos, paixão é coisa de adolescente.
Nos piores momentos ele se tornou aliado de outras pessoas. Até hoje não sei se essas pessoas tinham alguma estima por mim ou não, mas honestamente, isso já não me importa mais pois o fato de ele ter sido aliado destas pessoas para me manipular e controlar tem seu valor e seu significado, colocando cada pessoa e fato onde está agora.
Por outro lado, algumas pessoas tiveram espírito e luz para vê-lo nos meus olhos, mesmo quando ele não andava abertamente ao meu lado, sempre um pouco recuado, me fazendo encurvar os ombros. Estas prontamente me encorajaram, sugeriram que eu me libertasse desta relação doentia me estendendo a mão e a estes sou grata até hoje, eles bem o sabem.
A questão é que esse é o tipo de liberdade se faz sozinha e nenhuma mão estendida te dará a força para que suas pernas corram do inimigo. Não há esconderijo, nem tecnologia que te faça correr mais que ele.
Houveram ainda situações extremas em que pensei em mata-lo. Tivemos brigas feias onde eu gritei, chorei, bati, mas ele sempre foi muito bom em seus revides, parecendo mesmo imortal.
Por fim me conformo, aparentemente não haverei de vence-lo, mas isso já não me impede de lutar. Decidi que ele pode ser quem é, agora que eu já o conheço razoavelmente bem, apesar de saber o quão camaleônico ele é agora quem decido o rumo sou eu, mesmo que ele dê sua inapropriada opinião.
Você nos verá na rua, lado a lado, volta e meia e provavelmente ele seguirá me sussurrando algo ao ouvido, o esquerdo, que é o lado em que ele gosta de me acompanhar, mas agora, penso que talvez minha criança já não seja mais tão assustada pois já o respondo com um sorriso e lhe digo com a doçura da minha natureza, que agora não é hora desta conversa, veremos o que ele fala mais tarde.

O nome deste monstro? 

Deixe que eu lhe apresente: Medo!



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